Que puxa...

"Que puxa...", essas foram as primeiras palavras das primeiras linhas do que viria a se tornar meu primeiro diário. O ano era 1987 e eu estava perdidamente apaixonado.
Bom, chamar de diário é uma licença poética pois se tratava apenas de um caderno pequeno de capa dura amarela, desses que a gente encontra até hoje nas papelarias, mas que foi durante todo o ano meu maior confidente. E no dia 17 de junho de 1987 escrevi as únicas palavras que vieram à cabeça após a minha primeira desilusão amorosa.
Mas esse "Que puxa..." eu aprendi com um baixinho cabeçudo, perdidamente apaixonado por uma garotinha ruiva que estava fazendo sucesso na TV. Perdido num mundo que não compreendia, péssimo nos esportes, Charlie Brown nutria um amor platônico por uma garota que sequer sabia que ele  existia; então, a identificação foi imediata. Eu também era péssimo nos esportes, sempre era deixado de lado nas brincadeiras, era o último a saber das coisas e também estava perdidamente apaixonado por uma garota, só que no meu caso ela era loira.
Desde a primeira exibição não perdi um episódio do Snoopy, compartilhei com Charlie Brown suas decepções, desilusões, alegrias, mas principalmente suas esperanças. Apesar de tudo, Charlie acreditava no amor, acreditava que um dia tudo iria dar certo e que os outros passariam a lhe respeitar. E por causa dele eu também acreditava. Até o fatídico dia de 17 de junho, quando tomado de uma coragem que viera de não sei da onde, resolvi declarar meu amor à Cristina.
Foi preciso coragem, controle de pernas bambas e mãos suando para dizer "Cristina, posso conversar com você?" e foi preciso mais coragem ainda para encará-la por cima de meus grossos óculos de grau me dizendo um sonoro "Não!" e completando "Eu sei o que você quer, vai te catar garoto!".
Você já sentiu o mundo girar a seu redor? Pois bem, o mundo, a sala, os colegas de classe, tudo girava ao meu redor. Foi preciso um esforço imenso para encontrar o caminho de volta à minha mesa, ignorar os olhares que penetravam a minha face avermelhada e, principalmente, não chorar. O meu mundo havia desmoronado, como desejei que Charle Brown fosse de verdade, que estivesse ali para me emprestar um ombro amigo e me dizer "Que puxa...".
Mas só havia eu, e tinha que fazer algo. Então peguei o caderno - nem me lembro porque o levei para a escola - coloquei a data e escrevi bem no meio da folha "Que puxa...". Foi só o que consegui escrever e foi só o que fiquei olhando até o sinal tocar. Finalmente, havia chegado a hora de embora.
Pensei em inúmeras maneiras de nunca mais ir à escola, de adoecer, de mudar de cidade mas o que um garoto de 12 anos pode fazer? Não havia esperança, eu tinha que encarar o mundo cruel de qualquer maneira.
Com o passar dos dias, a ferida foi cicatrizando - nada como ser adolescente - e passei a torcer para o que o destino de Charlie Brown fosse diferente do meu. E foi. Primeiro o baile onde ele finalmente conheceu a garotinha ruiva e depois quando ela deixou um bilhete para ele. A imagem está viva em minha cabeça até hoje: Charlie Brown pulando pelas ruas, gritando que o ano que vem seria tudo diferente, que ele finalmente namoraria a garotinha ruiva e que ninguém mais iria rir dele. Aquilo me encheu de esperança, um dia eu também iria encontrar uma menina legal, amigos sinceros e respeito. "Bola prá frente, Renato!" era o que repetia a mim mesmo.
E porque estou contando essa história? Porque hoje, 25 anos depois me deparo com o tal caderninho, amarelado e empoeirado, perdido entre caixas de coisas que supostamente iria jogar fora. Uma memória de um tempo estranho, dolorido, incompreensível mas que agora me faz rir e que quero compartilhar com vocês de agora em diante.

Bem-vindos ao meu blog!

Renato "Charlie Brown"

P.S.: Charlie Schulz, onde estiver, obrigado pela maravilhosa criação!

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